Se não fosse dramático, a terceira idade era quase cómica.
Posso bem parecer gélida e cruel, mas quando penso nos elementos cénicos a que sou sujeita diariamente, acabo por sorrir mais do que chorar.
Claro que não tem piada um senhor doutor catedrático piscar o olho a todas as meninas que encontra, não tem. Nem uma professora que ensinou milhares de criancinhas ficar em modo repeat horas a fio. Não tem mesmo.
Mas se deixarmos o "ah e se fosse eu" e conseguirmos ser pouco emotivos por alguns momentos, veremos que tudo isto tem uma pitada de sarcástico. Alguém lá em cima se deve estar a rir com a decadência cá de baixo.
E esse alguém tem muita imaginação, dada a riqueza de conteúdos que encontro.
Uma pessoa nasce e ainda nem é pessoa. Ensinam-lhe regras, valores, ética e regras, papéis, objectivos e a pessoa constrói a sua personalidade, a meias com os outros. Depois, trata de passar tudo isso às gerações vindouras, com um discurso cheio de sabedoria, conceitos fechados e dados tidos como adquiridos.
E eis que vem a degeneração das células nervosas desconstruir tudo aquilo que a pessoa passou toda a vida a assimilar e proclamar. É como se fosse o final de uma piada, de uma farsa bem feita (bem longa) e a pessoa chegasse ao fim e o "rebenta a bolha, podes aparecer" surgisse. Voltam então as atitudes primitivas, um cérebro quase vazio, sem regras nem memórias e...fraldas.
Era quase cómico se não fosse dramático.
É claro que me tenho que rir, toda a gente obrigada a lidar com a desgraça de espírito para a qual a geriatria descarrila lá tem que dar uma gargalhada de vez em quando. Caso contrário, teríamos medo de envelhecer. De nos vermos nessa situação, visitar a nossa mãe e ela falar para nós como se fossemos a colega da escola. De vermos o seu corpo engelhado e sem formas.
Temos que nos rir para não chorar. Temos que procurar comicidade no dramatismo daquelas vidas. Eu encontro e, por agora, ainda me consigo rir.