Wednesday, January 01, 2014

Cola do chinês

Sei o que ontem disseste

Senti a tua certeza e a minha fraqueza.

Gelei. O que te quis dizer ficou preso

Não saíram as lágrimas, 

Não saiu a raiva

Nem o carinho, nem a alegria.



O que fazer quando tudo cá fica

Tudo doi, tudo magoa

Todos estes nós

Que ninguém tira, ninguém desabotoa



Um dia talvez te diga, talvez escreva

Que o que me fazes não se faz

Tiras-me o chão, tiras a paz

E como me sinto feliz e atormentada

Por te sentir ali, comigo

E como depois me desfaço em cacos

Pedaços de mim espalhados pelo chão



Pega em mim, arranja um tubinho desses do chinês

E cola-me de novo, não ligues à ordem, à precisão

Cola-me só, cola-me de uma vez



Thursday, August 08, 2013

Ela e o limbo

Ela está no vazio. Nada se clarifica, por mais que pense nisso. Por mais que corra, que ponha música, que fume cigarros. Nada a ajuda a perceber o que fazer. Como se a cada instante ela esperasse um sinal. Que o destino resolvesse por ela coisas que ela não sabe resolver. Que lhe arrancasse do peito aquele aperto, aquela dor de quem não sabe.

Mas o destino, se envia sinais, ela não os percebe e assim continua no vácuo. A cabeça conjetura todos os finais possíveis. Nenhum parece melhor que outro, são todos estanques e ao mesmo tempo confundem-se, misturam-se.

E ela já não sabe. Se ama mais o que tem, se sonha com o que não tem por amá-lo. Ou se no fundo o ama por não o ter.

Este limbo provavelmente não terá fim. Apenas a realidade esbaterá o que exalta nos momentos de ócio. E quanto mais rápida a vida, menos desvios, menos dúvidas. Ela segue só em frente - há uma lei da física sobre isso. O problema é que também há um ditado:"depressa e bem não há quem".

Sunday, March 31, 2013

Missa das 19.04

O que é que define um local de oração, dei por mim a perguntar. Nunca gostei muito de igrejas. Lindas, oponentes, frescas, com cheiro a velho, cheiro medieval, cheiro de antepassados. Mas tão impessoais que nunca consegui que fosse ali o meu momento de catarse. De conciliação com as minhas crenças. Por ali estou eu, sentada ou mesmo de joelhos e aquelas caras sinistras olham para mim. E vejo as suas caras com expressão sofredora, misericordiosa, imutável. E nao percebo que conclusão tirar, quanto e como devo rezar, a que figura devo recorrer por nao ter conhecido pessoalmente nenhum deles. Talvez seja aquele espirito de união, de uma só reza que une tanta gente, que os faz acreditar mais veemente. E talvez aí mesmo resida o me problema com a igreja: nunca fui pessoa de seguir massas. Desconcentram-me, acabo por me esquecer do meu propósito, distraio-me. Observo-os e dou por mim a pensar porque nao sentirei eu o mesmo (será que afinal sinto?), onde se vai buscar tanta crença, que ensinamentos desperdicei eu - e com isto, já se me escapou 15 minutos de sermão e já não acompanho a história. Nao sinto a espiritualidade. Vejo-a, posso mesmo tocar-lhe mas a minha, essa não a sinto.

Hoje dei por mim a pôr uns auriculares, ligar a música, recostar-me no banco do comboio e acho que rezei - ou algo parecido. E ao que parece tenho-o feito em todas as viagens, agora que penso nisso. A solidão imensa que sinto, rodeada por estranhos, faz-me sentir especial. Como que numa banda-sonora. Também olho, também procuro olhar mas nao vejo figuras sinistras. Encontro-me no reflexo do vidro e acho que é isso mesmo - encontro-me. Sem máscaras, sem ter que falar. Fico ali calada, a olhar para um reflexo. O meu, mas de fora, aquele que percorre todos os quilómetros. Aquele que só surge quando o tempo pára e nao tem para onde ir. Aquele que fica uma hora e vinte e três minutos comigo. Aquele que é todas aquelas figuras com expressão imutável, aquele que reza sem se ajoelhar. E seja quem for a quem esse reflexo reze, espero que não se importe com o facto da minha espiritualidade se resumir ao comboio.

Saturday, February 09, 2013

Greve na CP

Fico na duvida se isto de viver é giro ou não. Dou por mim indecisa, sem saber se me hei-de chamar injustiçada ou felizarda. Sem saber o que achar deste conjunto de dias sucessivos.
Quer dizer, é que às vezes cansa!mas também que hipótese temos quando nos cansamos? Não seria giro se pudéssemos fazer um interregno? Uma pausa para pensar com clareza, redefinir estratégias.
É que às vezes o suspiro não chega para calar este turbilhão efervescente. Os pulmoes enchem mais, sim senhor, o diafragma desce mais, sim senhor, a musculatura relaxa, sim. Mas e depois? E os problemas, relaxam? Ar puro por acaso faz mais do que isso: purificar o ar?
É que às vezes dava jeito a vida dar um suspiro para aliviar tensões, distender prazos e realinhar segmentos.
Mas não! A única coisa parecida a isso é a noite. Mas e os sonhos? Esses selvagens, que não controlamos? Estamos nós entretidos a alternar entre sono REM e não REM, mas esses sacaninhas não dão descanso. E pronto, acordamos e assim de repente até parece que descansámos, mas é pura ilusão. Uma migalha ou outra das aventuras noturnas por que passámos de vez em quando vem-nos lembrar que isto de viver não é coisa para meninos. É um turno de 24 horas.
E sinceramente eu nunca fui apologista disso dos turnos contínuos, acho que não é saudável. Se não é para os médicos e enfermeiros, porque é que tem que ser para nós, humanidade em geral? Acho que chega a uma altura que se perde imaginação para viver, não há reuniões para brainstorming da vida e portanto é tudo muito no imediato (o que não seria mau penso eu, estivesse eu atenta aos sinais do universo não é?). A vida não reune connosco e com um psicólogo para nos dar noticias dificeis, chegam de rompante e pronto, lá temos nós que nos limitar a reagir.
A vida não vem defender os nossos direitos em instituições próprias para o efeito, reuniões multidisciplinares.
A vida é um patrão bi-polar.

E eu vou fazer como os maquinistas da CP.

Monday, April 09, 2012

Ao menos que o futebol sirva para alguma coisa

A culpa é do sistema. Uma frase roubada ao mundo do futebol mas que, bem esventrada, dá para quase tudo. Tema que fugir aos impostos. A culpa é do sistema. Temos que fugir do país. A culpa é do sistema. Não gostamos de trabalhar. A culpa é do sistema. Não gostamos de nao ter tempo para fazer alguma coisa depois de trabalhar.A culpa é do sistema. Queríamos ter espaços verdes, que os que temos são poucos e cinzentos. Mas nao queremos ir de transportes. A culpa é do sistema. Queríamos todos ser diferentes. Do que somos. Gostávamos de ser mais iguais. Aos outros. A culpa é do sistema. Gostava de nao me rever em tudo o que escrevi. Mas revejo e a culpa...A culpa é do sistema.

Saturday, November 12, 2011

comédia geriátrica

Se não fosse dramático, a terceira idade era quase cómica. 
Posso bem parecer gélida e cruel, mas quando penso nos elementos cénicos a que sou sujeita diariamente, acabo por sorrir mais do que chorar. 
Claro que não tem piada um senhor doutor catedrático piscar o olho a todas as meninas que encontra, não tem. Nem uma professora que ensinou milhares de criancinhas ficar em modo repeat horas a fio. Não tem mesmo. 
Mas se deixarmos o "ah e se fosse eu" e conseguirmos ser pouco emotivos por alguns momentos, veremos que tudo isto tem uma pitada de sarcástico. Alguém lá em cima se deve estar a rir com a decadência cá de baixo. 
E esse alguém tem muita imaginação, dada a riqueza de conteúdos que encontro. 
Uma pessoa nasce e ainda nem é pessoa. Ensinam-lhe regras, valores, ética e regras, papéis, objectivos e a pessoa constrói a sua personalidade, a meias com os outros. Depois, trata de passar tudo isso às gerações vindouras, com um discurso cheio de sabedoria, conceitos fechados e dados tidos como adquiridos. 
E eis que vem a degeneração das células nervosas desconstruir tudo aquilo que a pessoa passou toda a vida a assimilar e proclamar. É como se fosse o final de uma piada, de uma farsa bem feita (bem longa) e a pessoa chegasse ao fim e o "rebenta a bolha, podes aparecer" surgisse. Voltam então as atitudes primitivas, um cérebro quase vazio, sem regras nem memórias e...fraldas. 
Era quase cómico se não fosse dramático. 

É claro que me tenho que rir, toda a gente obrigada a lidar com a desgraça de espírito para a qual  a geriatria descarrila lá tem que dar uma gargalhada de vez em quando. Caso contrário, teríamos medo de envelhecer. De nos vermos nessa situação, visitar a nossa mãe e ela falar para nós como se fossemos a colega da escola. De vermos o seu corpo engelhado e sem formas. 
Temos que nos rir para não chorar. Temos que procurar comicidade no dramatismo daquelas vidas. Eu encontro e, por agora, ainda me consigo rir. 

Saturday, January 22, 2011

Narciso e o lago

O futuro é como uma faca de dois gumes. Entre o ir e o ficar há um deserto enorme sem ideias onde me hidratar. Ir sempre me pareceu mais aliciante, mas tenho a personalidade dos que ficam a lamentar-se. Ir significa arriscar, projectar, ter um alvo ou destino. O meu objectivo é tão específico como o www é para uma morada electrónica. Por vezes penso que o que me atrai mais no teatro e em ser atriz é a possibilidade de poder mudar constantemente de personalidade, sentimentos e a cada historia ter todo um passado e futuro diferentes. Mas (ainda) não o sou, pelo que apenas me posso considerar como indecisa. Notem o meu desesepero: acordo a pensar que quero fugir desta cidade, sem carros, nem tráfego, nem horário certo e, possivelmente, com um trabalho simpático e bem pago à mina espera. Penso em Londres, em Amsterdão, Berlim, entretanto no Brasil e na Argentina...às vezes penso em países nórdicos, outras vezes em países tropicais.Durante o dia nem pesno, lanço grandes suspiros de quando em vez e por momentos chego a gostar od que faço e da previsão do final do dia e do que me permitirá fazer. O cansaço chega e A´s evzes só queria ter uma casa minha, mesmo em Lisboa. ás vezes quero fugir para Évora ou isolar-me numa aldeia de xisto onde não conhelça ninguém e possa ir apenas ao supermercado local. Adormeço sem grandes expectativas porque passei o dia interio noutros sitios, mas acabo por estar na mesma cama, que me sabe bem, mas que apenas me transportará para mais um dia. Que poderia ser um dia diferente ou não tudo depende...de mim.
Às vezes prefiro ficar, lutar, melhorar, aprimorar e triunfar em alguma coisa. Vejo a paisagem que vi no dia anterior, mas descubro algum pormenor novo, penso em receitas que posso fazer ou hobbies para fugir da rotina. Penso em cursos, profissões em que poderia ser boa, porque parte de mim acredita reamente que posso ser boa em alguma coisa. Lembro-me de restaurantes, filmes, passeios. O fim do dia traz o cansaço de quem esteve a cumprir a sua missão o melhor que podia...mas não o melhor que sabe, porque nem ela sabe...
O dia termina cansado e perdido no meio de tantas possibilidades. Espera por um substituto que cumpra os ansejos de hoje e que decida qual dos lados da faca reflecte melhor.